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Câmbio, a pedra no caminho do campo brasileiro em 2010

04 novembro 2009 - 00h00Por Valor Econômico

São nebulosas as perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2010. Não por causa da demanda pelos produtos do setor, que mesmo depois do aprofundamento da crise financeira irradiada a partir dos Estados Unidos, em setembro de 2008, mostrou-se relativamente firme nos mercados doméstico e externo e tende a continuar assim no ano que vem. As incertezas vêm dos preços de algumas commodities, que poderão recuar com a recomposição da oferta, e, sobretudo, do câmbio, que coloca a manutenção da rentabilidade das atividades produtivas como o grande desafio no país, superando até mesmo as regras ambientais mais restritivas que estão em discussão no Congresso Nacional.

O câmbio e as restrições ambientais são as paredes que estão esmagando o setor, afirmou André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult, em reunião do Conselho Superior do agronegócio (Cosag) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), realizada ontem na sede da entidade, na Avenida Paulista. Se a parede ambiental tem pela frente algumas camadas de reboco político antes de ser concluída - e há espaço suficiente no Brasil para comportar uma expansão ordenada e sustentável da agropecuária -, a cambial já provoca estragos e não há sinais concretos de refresco no curto prazo, ainda que a taxa de juros em algum momento tenha que voltar a subir nos Estados Unidos.

Nesse contexto geral, a cadeia que mais preocupa os especialistas é a da soja, carro-chefe do agronegócio brasileiro tanto em renda agrícola (da porteira para dentro) quanto na exportação. E preocupa porque, dos principais grãos negociados no mundo, a soja é aquele que deverá apresentar a maior elevação da oferta mundial na safra 2009/10, em fase de colheita no Hemisfério Norte e de plantio no Hemisfério Sul. Em relatório divulgado em outubro, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) previu uma produção global de soja de 246,07 milhões de toneladas em 2009/10, 35,4 milhões a mais que em 2008/09. De acordo com o USDA, os estoques finais globais aumentarão 30,3%, para 54,8 milhões de toneladas.

Os EUA deverão ter uma produção recorde de 88,5 milhões de toneladas, segundo o USDA, e o volume só não vai superar 90 milhões pelos atuais problemas na colheita do país, provocados pelas chuvas, disse Pessôa. Além disso, lembrou, a Argentina, que amargou séria quebra climática em 2008/09, deverá produzir mais de 50 milhões de toneladas pela primeira vez na história no ciclo atual, e no Brasil as projeções também apontam para um crescimento de 5 milhões de toneladas, para cerca de 62 milhões. Mas é um ano de El Niño, e existe a possibilidade de os aumentos na Argentina e no Brasil ficarem comprometidos pelo excesso de chuvas.

Trata-se de um quadro considerado baixista para os preços, apesar de as perspectivas apontarem para um aumento da demanda mundial em 2009/10 - de menos de 12 milhões de toneladas, conforme o USDA. Nada capaz de devolver as cotações à média histórica na bolsa de Chicago, mas capaz, sim, de prejudicar bastante a rentabilidade dos produtores. Hoje em torno de US$ 10 por bushel na bolsa de Chicago, os contratos futuros do grão deverão cair para entre US$ 8,50 e US$ 9 no cenário mais provável traçado por Pessôa, ante uma média histórica de US$ 6.

Em Mato Grosso, por exemplo, esta queda, em um ambiente de contínua depreciação do dólar em relação ao real - o setor projeta a moeda americana entre R$ 1,60 e R$ 1,70 em 2010 -, pode reduzir a rentabilidade dos sojicultores para menos de R$ 160 por hectare, em média, sendo que em 2008/09, segundo a Agroconsult, o valor foi três vezes maior. É verdade que os custos da nova temporada agrícola estão 20% menores, de acordo com a consultoria, mas é uma margem considerada pequena para encarar um cenário de incertezas.

Para o milho, cujo o aumento da produção global tende a ser tímido (1,26 milhão de toneladas, para 792,5 milhões, segundo o USDA), o horizonte é menos sombrio, até porque o consumo deverá superar um pouco a demanda, fator altista para os preços internacionais. Mas a produtividade dos EUA, maior produtor mundial, é crescente na última década, tem compensado a demanda adicional para a produção de biocombustíveis e qualquer valorização enfrenta limites. E o Brasil, que poderia voltar a incrementar as exportações depois de dois anos de volumes apenas razoáveis, dificilmente terá um câmbio atraente para aproveitar eventuais janelas no exterior.

Também por isso, o Brasil começa a plantar sua menor área de milho no verão desde a década de 60, como destacou André Pessôa, e jogou para a safrinha de inverno do ano que vem a responsabilidade de evitar escassez no abastecimento doméstico, sempre com a ressalva de que se trata de um ano de El Niño. Segundo a Agroconsult, 2009 começou com estoques de milho suficientes para 76 dias de consumo doméstico; em 2010, o colchão deve cair para 57 dias, ainda um intervalo razoável.

O nó cambial que aperta o agronegócio brasileiro não é tão fácil de ser desatado porque reflete movimentos macroeconômicos globais bem maiores que o setor, que também se refletem nos preços das commodities. É um pouco do velho buy commodities, buy Brazil, como realçou Alexandre Mendonça de Barros, pesquisador dos núcleos de agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (GVagro) e da MB Associados (MB Agro). Grandes fundos de investimentos elevaram suas apostas nas commodities para fugir dos riscos derivados das incertezas globais, em um movimento - altista, como se viu, por exemplo, no balanço de preços internacionais de outubro - que também privilegia o Brasil, grande produtor de commodities e onde o debacle financeiro causou problemas bem mais modestos do que nos Estados Unidos ou na Europa.

Mendonça de Barros observou que, apesar da tendência de retração da soja e de custos em geral, para a carne bovina do Brasil, maior exportador mundial do produto, o caminho também deverá ser tortuoso, novamente por causa do câmbio. Levantamento da Scot Consultoria mostra que a arroba do boi gordo brasileiro já subiu 23% em 2009 em dólar, o que já a torna mais cara no exterior do que a argentina, a uruguaia e a australiana. A arroba está em torno de US$ 45, ante cerca de US$ 30 na Argentina e no Uruguai. Ou seja, a carne brasileira ficou cara no mercado internacional, que não paga esse preço, disse Mendonça de Barros na Fiesp.

Ele lembrou que, com as restrições impostas pela União Europeia à carne brasileira, ainda por conta de casos de febre aftosa no país no fim de 2005, os principais mercados para a carne brasileira no exterior hoje são para cortes mais baratos. É o caso da Rússia, que também limita, com cotas, a entrada dos cortes do Brasil. Os volumes de exportação não estão ruins, mas no padrão carne barata para países pobres, afirmou. Mais ou menos o mesmo raciocínio vale para a carne suína.

No calor paulistano de ontem, a boa notícia do evento da Fiesp ficou, é claro, para o fim. Depois de passar pelas perspectivas para o café, também alvo de boas apostas especulativas na bolsa de Nova York e com estoques em elevação no Brasil, e pelo suco de laranja, que poderá registrar valorizações caso o consumo nos EUA e na UE volte a aumentar, Mendonça de Barros apontou o setor sucroalcooleiro como o de horizonte mais positivo no ano que vem. Também na mira dos fundos de investimentos em Nova York, a commodity praticamente dobrou de preços no último ano, sobretudo em virtude de uma drástica redução da oferta da Índia. Único a compensar o câmbio, o açúcar permitiu que as usinas pudessem comercializar melhor seu etanol, combustível que ainda encontra nas vendas de carros flex demanda crescente.