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Produtor do MT abandona mercado de commodity e produz animais “sob medida”

04 junho 2018 - 23h44Por DBO Rural

 O mercado de carne premium – cuja demanda cresce 30% ao ano, conforme estimativas de especialistas – está viabilizando um velho sonho da cadeia pecuária bovina: a “produção dirigida” ou “sob medida”. Muitos pecuaristas no País já seguem protocolos pré-definidos por parceiros frigoríficos ou varejistas, dando origem a uma nova categoria de fornecedores, que trabalha não mais centrada na sua própria visão de qualidade, mas na do consumidor. O gaúcho Carlos Miguel da Silveira, 57 anos, gestor da Agropecuária Maria da Serra, pertencente à Família Zagonel, do Rio Grande do Sul, faz parte desse grupo. Quando ele assumiu a administração das propriedades da empresa, em 2013, decidiu transformar uma delas – a Fazenda Serrinha, de 7.777 ha, localizada no município de Santo Antônio do Leverger, 40 km ao sul de Cuiabá, MT – em uma “fábrica” 100% especializada na produção de carne premium, de qualidade tão boa quanto a servida nos melhores restaurantes de São Paulo.

Não era uma tarefa simples. Durante muitos anos, a Fazenda Serrinha havia se dedicado à produção de tourinhos Nelore em pastejo extensivo. Mudar esse sistema produtivo, fazendo cruzamento de vacas Nelore PO com raças britânicas parecia loucura à primeira vista, além de demandar grande investimento em infraestrutura para intensificação de pastagens. Não havia ainda (como há hoje) um mercado tão definido para a carne de qualidade, mas Silveira conseguiu convencer os seis sócios da empresa de que precisava atacar em três frentes para melhorar a rentabilidade de seu negócio: aumentar a quantidade de animais comercializados; girar rapidamente a produção, o que era mais fácil com gado de corte; e agregar valor ao produto. “Após uma modificação societária feita, em 2012, nosso rebanho havia diminuído e precisávamos recompô-lo. A Fazenda Serrinha era a mais indicada para enfrentar esse desafio, por meio da intensificação”, justifica.
 
Silveira tinha a opção de trabalhar apenas com recria/engorda, mas não queria perder a qualidade genética incorporada ao plantel Nelore após anos de seleção. A cria também lhe parecia fundamental para viabilizar um projeto de carne premium, que pretendia abater 400 cruzados precoces/mês, próprios e adquiridos de terceiros. Para isso, ele decidiu produzir desde o sêmen (tem touros em central) até o animal gordo. Dos 3.015 bovinos vendidos em 2017, 86% (2.593) eram cruzados. Os 14% restantes eram vacas de descarte, alguns reprodutores Nelore e garrotes dessa raça oriundos de repasse, que são vendidos à desmama (não ficam na fazenda). Em 2017, 90% dos cruzados terminados foram vendidos à rede de restaurantes Outback e o restante à VPJ Alimentos, de SP, além de projetos regionais, como o do Frigorífico Boi Branco, de Cuiabá. DBO pôde conferir (na grelha e no prato) a alta qualidade dessa carne, que permite ao pecuarista vender novilhas a preço de boi e novilhos com ágio de 12%/@.
 
Decisão embasada
 
A decisão de Silveira de produzir 100% de seus bois “sob medida” para clientes exigentes não foi gratuita. “Percebi que havia uma procura crescente por carne de qualidade e pouca oferta, o que garantia bons prêmios ao produtor”, salienta. Roberto Barcellos, da Beef & Veal Consultoria, de Botucatu, SP, confirma esse diagnóstico. Segundo ele, após longo processo de “maturação”, o mercado de carne de qualidade começou a ganhar consistência, chamando, inclusive, a atenção dos frigoríficos (veja reportagem à pág 32). “A tendência desse segmento é de se estratificar, como ocorreu com os vinhos. Nos anos 90, muita gente no Brasil tomava o vinho da garrafa azul [o alemão Liebfraumilch], que frequentava orgulhosamente formaturas e festas, mas, assim que as pessoas começaram a buscar mais informações sobre vinhos, descobriram uma infinidade de opções superiores e o mercado se estratificou em níveis. É o que começa a acontecer com a carne. O mercado ainda vai crescer muito, para depois se estratificar”, prevê Barcellos.
 
A boa notícia para o produtor, diz ele, é que a demanda se manterá firme nos próximos 10 anos, mas será preciso fazer uma escolha entre a “pecuária da eficiência” e a “pecuária da qualidade”, porque a melhor carne frequentemente não é fornecida pelo animal de melhor performance. Um sinônimo de eficiência, segundo o consultor, é o boi 7-7-7: machos inteiros produzidos a pasto ou terminados rapidamente em confinamento, abatidos com 21@ aos 24 meses, com gordura mínima exigida pelos frigoríficos ( 3 a 6 mm). “Esse animal é excelente, mas não atende nichos de carne premium, que demandam carcaças muito bem acabadas (6 a 10 mm de gordura subcutânea), com marmoreio, maciez garantida, pH baixo e coloração vermelho-cereja. Para produzi- las, é preciso castrar os animais e confiná-los por mais tempo, aumentando a energia na dieta de terminação, o que eleva os custos”, diz Barcellos.
 
Miguel Silveira estava ciente desse dilema quando decidiu trilhar a vereda mais difícil (e mais arriscada) da “pecuária da qualidade”, cujos prêmios nem sempre compensam o maior custo de produção. Após várias tratativas, no entanto, ele conseguiu se associar à Fazendas São Marcelo, do grupo mato-grossense JD, sediada em Tangará da Serra, MT, que acabara de fechar contrato de fornecimento com o Outback e precisava de um parceiro. “Juntos, podíamos fornecer um número de animais que justificasse abates mensais para a rede na planta do Marfrig, em Tangará”, conta o produtor. Ele assumiu o compromisso de fornecer no mínimo 180 fêmeas e machos cruzados por mês ao Outback. “A experiência tem sido ótima”, garante. Silveira ainda está analisando o impacto da castração sobre o ganho de peso dos machos, mas acredita que a lucratividade de seu negócio é garantida, inclusive porque o mercado de carne premium é menos sujeito a oscilações de preços do que o de carne commodity.