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Lavouras do futuro terão máquinas capazes de se autorregular e tomar decisões

02 maio 2018 - 22h19Por Revista Globo Rural

Menos ferro e mais inteligência. A frase de Rodrigo Bonato, diretor de vendas da John Deere, sintetiza a visão quase unânime de fabricantes de máquinas agrícolas, agroquímicos e sementes, de pesquisadores e de empresários de startups sobre como será a agricultura brasileira em meados de 2030, quando a população mundial alcançará 8,6 bilhões e a do Brasil 206,8 milhões de pessoas. Alguns acreditam que ainda há espaço para o desenvolvimento de colheitadeiras, plantadeiras e pulverizadores ainda maiores.

 
Entretato, há tendências que são consensuais no setor. As máquinas autônomas estão chegando. A busca por mais produtividade deve levar em conta a sustentabilidade, e não o aumento de área. A agricultura digital, com ferramentas cada vez mais revolucionárias de agricultura de precisão (AP), inteligência artificial, internet das coisas e nanotecnologia, é quem vai dar as cartas no futuro.
 
O diretor da John Deere afirma que os ferros estão chegando ao seu limite operacional no campo e dá como exemplo a maior plantadeira do mercado, que a empresa apresenta na Agrishow deste ano, com 61 linhas de plantio e chassi de 27,5 metros, puxada por um trator de 520 cavalos-vapor (cv). “A pergunta que fazemos hoje é até onde poderemos, com o aumento dos ferros, agregar mais eficiência aos nossos produtores. Acho que o futuro é da agricultura de decisão”, diz, referindo-se à associação do conceito de AP (aplicação correta, na forma correta, no lugar correto, no tempo correto) com o gerenciamento da frota e da operação. Na visão do executivo, as máquinas do futuro terão autonomia não apenas de direção, mas serão capazes de se autorregular e tomar decisões no campo com a inteligência artificial.
 
Sergio Soares, diretor de desenvolvimento de produto e engenharia agrícola da CNH Industrial (que engloba as marcas Case IH e New Holland) para a América Latina, afirma que o limite de tamanho ainda não foi atingido em plantadeiras e pulverizadores, principalmente porque já há tecnologias sendo desenvolvidas para equacionar o problema da compactação do solo causada pelas grandes máquinas. Mas ele prevê uma queda na velocidade de crescimento desses equipamentos nos próximos anos e um aumento exponencial de tecnologia embarcada.
 
Sergio acredita que as máquinas 100% autônomas estarão trabalhando no campo antes de 2030. Na Agrishow de 2017, a Case IH apresentou um trator conceito totalmente autônomo, sem espaço inclusive para operador, mas não fixou data para sua comercialização  Ele observa que as máquinas agrícolas hoje já têm uma boa dose de inteligência artificial, se autorregulam, mesmo com a presença do operador na cabine. “A adoção dos veículos 100% autônomos é mais fácil no campo do que nas cidades. Um fator limitante é a legislação, que proíbe o tráfego de máquinas sem operador”, diz o executivo.
 
Para Dener Jaime, coordenador de marketing do produto Fuse da Massey Ferguson, o tráfego controlado das máquinas, tecnologia já lançada pelo grupo AGCO (que inclui também a marca Valtra), aliado à gestão de informação, vai se tornar rotina no futuro na maioria das propriedades e vai permitir atender à demanda por máquinas ainda maiores. A Massey vê limites na automação. “Num futuro não tão distante, a automação pode até ser completa, mas o mais provável é que a máquina trabalhe sozinha, com o operador na cabine pronto para fazer qualquer correção.”
 
A opinião de Dener sobre a demanda no futuro por máquinas maiores para atuar em áreas planas e de grandes extensões e sobre a limitação de autonomia dos equipamentos é compartilhada pelo colega Gerson Filippini Filho, coordenador de marketing do produto Fuse Valtra. “Não acredito que as máquinas vão tomar decisões sozinhas em dez ou 15 anos, mas acredito que, no futuro mais distante, os equipamentos no campo serão menores, autônomos e multitarefas. Aliás, uma marca do nosso grupo, a Fendt, já trabalha com esse conceito de unidade menor e autônoma.” Gerson lembra que, em 2012, a Valtra apresentou o protótipo de um trator com operador que era seguido por várias máquinas autônomas que viam a primeira unidade como guia.
 
A Jacto também apresentou um veículo autônomo para pulverização em 2008, que aplica o conceito de um único operador no campo controlando várias máquinas. O pulverizador JAV está em testes em áreas de silvicultura no Brasil, em uma parceria com a Suzano. “A ideia é ter quatro JAVs atuando em áreas distintas, abastecidos por um caminhão com calda pilotado por um funcionário equipado com um tablet. O comboio faz a aplicação de forma autônoma, observado pelo operador”, explica Cristiano Pontelli, gerente de negócios da marca. Para ele, nos próximos 15 anos, ainda será necessário um operador in loco para controlar as operações. Sobre o tamanho das máquinas para pulverização no futuro, Cristiano cita que há duas frentes sendo testadas no mundo. 
 
Na Europa, o investimento ainda é nas máquinas maiores, com pulverizadores de até 10.000 litros (a maior máquina no Brasil opera com 4.500 litros). Já produtores dos Estados Unidos e Austrália trabalham com o conceito de veículos pequenos robotizados. “Acho que no Brasil vamos ficar no meio-termo: uma máquina gigante e um enxame de outras pequenas trabalhando colaborativamente no mesmo talhão.”
 
Dois engenheiros e pesquisadores da USP também apostam em enxames de máquinas no campo. Para o diretor executivo da EsalqTec, incubadora de empresas de tecnologia ligada à Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), de Piracicaba, Sérgio Marcus Barbosa, estamos na era da agricultura digital 4.0, termo importado da indústria baseado na conectividade, na internet das coisas e na tecnologia embarcada. “As fazendas do futuro, na era da agricultura 6.0, terão máquinas menores, drones do tamanho de insetos e pequenos tratorzinhos.”
 
“A tendência são máquinas menores, com mais tecnologia e robótica. No lugar de máquinas com 30, 40, 50 metros, vamos ter um enxame de equipamentos robóticos de 5 a 10 metros”, aposta o professor Rafael Vieira de Souza, do Departamento de Engenharia de Biossistemas da USP em Pirassununga. Ele diz que a robótica avançou muito na indústria, está atrasada na agropecuária, mas vem crescendo rapidamente. “As grandes marcas já têm protótipos de tratores e pulverizadores autônomos. Já existem ordenhadeiras que trabalham sozinhas, colhedoras de morango na Espanha, drones que fazem inspeção e aplicação automática e pequenos robôs em operação em pequenas fazendas no Japão.”
 
Segundo Ricardo Yassushi Inamasu, pesquisador da Embrapa Instrumentação e coordenador da Rede de Agricultura de Precisão, pequenas lavouras orgânicas na França já estão usando robôs. “Ele é parecido com um aspirador de pó e entra na linha de plantio impedindo o crescimento de plantas invasoras.” Ricardo não acredita, no entanto, que as máquinas do futuro serão totalmente autônomas ou tomarão decisões pelo produtor. “Robôs e drones vão estar no campo, mas o homem vai estar em simbiose com a natureza e as máquinas serão ferramentas de apoio.”
 
Em era de robôs, drones e enxame de máquinas, quem pode perder mercado e se tornar até obsoleto são os pulverizadores costais. A Jacto, aque exporta o produto para 110 países, está bem ciente disso. “É alto o risco de desaparecimento desses aparelhos”, admite o gerente de negócios da marca, que mantém no Brasil um centro de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos com 130 profissionais. Já um elemento que pode estrear nessa agricultura do futuro é o assistente virtual, semelhante aos modelos presentes em celulares e outros equipamentos, como Siri, Alexa e Cortana. “O assistente virtual de uma pulverizadora, por exemplo, vai falar para o produtor: ‘Não faça a aplicação agora porque vai chover e você vai perder o produto’”, afirma Cristiano.
 
“O assistente virtual do pequeno drone vai se comunicar com o drone maior ou uma pulverizadora e avisar onde tem de ser reforçado o trabalho”, diz Lucio André de Castro Jorge, pesquisador da Embrapa Instrumentação. Os executivos preveem ainda o uso de novos combustíveis ou híbridos nas fazendas do futuro e afirmam que a conexão entre os equipamentos das várias marcas já é um projeto em andamento.
 
O mundo das agritechs
 
Pequenas, criadas e mantidas por jovens geralmente recém-saídos das universidades, ágeis no desenvolvimento de novas tecnologias e na aplicação, as startups do agronegócio, conhecidas como agritechs, são a bola da vez. Nos últimos três anos, nasceram centenas de pequenas empresas com foco em desenvolver soluções tecnológicas de fácil aplicação para melhorar a produtividade das lavouras e rebanhos e a gestão da atividade rural.
 
A EsalqTec de Piracicaba, incubadora da USP de Piracicaba que incentiva e dá suporte à criação de agritechs, tem atualmente nove empresas residentes e oito pré-incubadas. Uma delas é a Smart Agri, fundada em 2015 pelo engenheiro agrônomo Marcos Nascimbem Ferraz e outros ex-alunos da Esalq. A empresa fornece aos produtores tecnologia de mensuração e análise dos dados gerados no campo.
 
Marcos acredita que, no futuro, o conhecimento agrícola vai ser automatizado como a produção. O fato é que, no campo, um ambiente aberto, com inúmeras variáveis como clima, solo e relevo, a inteligência artificial tem de ser mais inteligente que na indústria, por exemplo. “Talvez ao produtor caiba apenas decidir quanto quer investir e quanto espera de retorno financeiro. As máquinas farão o resto.”
 
O veterinário Tiago Zanetti Albertini, da Techagr, também alojada na EsalqTec, diz que as startups têm o desafio de abrir algumas caixas-pretas do agronegócio, especialmente na pecuária. Ele prevê que ferramentas tecnológicas como a sua Beef Trader, que, com uso de sensores e balanças inteligentes, monitora a curva de lucro do boi em confinamento para informar ao pecuarista qual a melhor hora de vender o animal e qual o melhor negócio naquele momento, serão cada vez mais usadas no campo.
 
A bióloga e especialista em genética Ana Durvalina Bomtorim aposta nas soluções das startups para facilitar a vida do agricultor. Em dezembro de 2017, ela criou a Pan DNA, que faz diagnóstico molecular de animais e plantas em laboratório, e está desenvolvendo um protótipo para fazer o exame diretamente no campo, dispensando o laboratório. “Essa tecnologia de diagnóstico precoce, que hoje custa pelo menos R$ 100 a unidade, estará disponível no futuro a um preço bem acessível e será capaz de identificar que tais sementes ou animais estão livres dessa ou daquela doença. O dispositivo poderá ser semelhante ao que mede a glicemia em humanos.”
 
Fernando Rossetti, engenheiro agrônomo e diretor comercial da startup Perfect Flight, acredita que essas jovens empresas terão um papel muito importante na agricultura do futuro, que será totalmente digital. A Perfect Flight, uma das companhias que integram o acelerador de startups Pulse, da Raízen, disponibilizou ao mercado no ano passado uma ferramenta de monitoramento aéreo agrícola para aviões e helicópteros que permite um diagnóstico preciso e rápido das áreas a serem pulverizadas, estabelecendo uma cerca eletrônica em zonas de restrição, como colmeias, escolas rurais, vilas e áreas de preservação.
 
O sucesso das startups realmente está atraindo investidores, pesquisadores e também as grandes empresas do setor agropecuário. Recentemente, a Syngenta comprou a Strider, empresa de agricultura digital brasileira focada em soluções de gerenciamento operacional para as lavouras.
 
Guerra de drones
 
Nos últimos três anos, a tecnologia dos drones, ou vants (veículos aéreos não tripulados), se tornou mais confiável, segura e acessível ao produtor. Na fase atual, o gargalo é tirar informações das imagens colhidas. No futuro, os drones serão tão populares como o celular é hoje e terão papel fundamental na fiscalização de plantas mal nutridas, na detecção de pragas e ervas daninhas, no levantamento de dados e até na complementação de pulverização nas lavouras. Quem diz tudo isso é o pesquisador Lucio André de Castro Jorge, da Embrapa Instrumentação de São Carlos, que trabalha nesse setor há 20 anos.
 
Os drones captam as imagens, que precisam ser organizadas em um mosaico no computador, com o auxílio de um software, para se transformar em informação útil para o produtor. Esse trabalho é demorado e exige um investimento mínimo em drone, computadores e softwares de R$ 100 mil.
 
Segundo Lucio, em poucos anos, esse custo pode cair para um décimo com o uso da nova tecnologia desenvolvida pela Embrapa, em parceria com a empresa americana de processadores de celular Qualcomm. A tecnologia, que está em testes de validação em 100 fazendas brasileiras, usa o software de leitura de imagens captadas por drones com algoritmos de inteligência para gerar a informação direta para o produtor, sem a necessidade de leitura e interpretação de mosaicos.
 
Os especialistas apostam que, assim como os drones, o uso de sensores para inspeção de sanidade das plantas e levantamento de dados e de ferramentas de inteligência artificial, big data e internet das coisas vai ser comum na lavoura e pecuária brasileira em 15 anos. “Acredito que o volume de informações sobre determinada área será tão importante que o número de bytes por hectare vai ser um fator determinante no preço da terra”, diz José Bueno, engenheiro agrônomo e gerente regional de distribuição da Trimble.
 
Segundo José, a chegada do piloto automático da Trimble e da barra de luz mudou a forma de aproximação com o produtor, eliminando a ideia de que agricultura de precisão era um monstro e fixando o conceito de que é uma ferramenta de auxílio. “Hoje, há uma montanha de dados sendo gerada no campo, e isso vai aumentar exponencialmente. A Trimble investe em ferramentas de processamento e análise desses dados para auxiliar o produtor a interpretar as informações geradas, identificar os problemas da sua lavoura e tomar suas decisões.”
 
Silvia Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, diz que o produtor toma cerca de 200 decisões por dia e tem capacidade limitada para analisar e interpretar muitos dados. Ferramentas de AP, drones, sensores,  internet das coisas, algoritmos e inteligência artificial vão ajudar o produtor a tomar decisões mais rápidas para garantir a produtividade de sua lavoura, asustentabilidade e a sua renda.
 
Sustentabilidade
 
A sustentabilidade, sem aumento de área plantada, é a palavra-chave para o aumento de rendimento das lavouras no futuro, segundo os pesquisadores da Embrapa e executivos das indústrias e entidades agrícolas. André Savino, diretor de marketing da Syngenta do Brasil, diz que a agricultura brasileira evoluiu a passos menores entre as décadas de 1940 e 90 e depois deu dois grandes saltos.“A próxima virada será proporcionada pela agronomia digital, pela atuação da nova geração de agricultores, que já nasceu conectada, e pela sustentabilidade.”
 
Sustentabilidade também é a palavra do futuro segundo Vinicius Faião, executivo da Monsanto. “A biotecnologia vai ajudar o agricultor a produzir mais, com o controle de pragas e ervas daninhas e a otimização da aplicação de recursos naturais. Mas terá de caminhar junto com a agricultura digital, que será a nova revolução na lavoura.” O executivo acredita que, no caso da soja, a biotecnologia pode ajudar o produtor a colher 130 ou 150 sacas por hectare em dez ou 15 anos (hoje o recorde são 100 sacas), mas isso vai depender de ter condições ambientais perfeitas na lavoura.