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Cerrado brasileiro produz trigo melhor que o da Argentina

20 junho 2011 - 11h50Por Globo Rural

Originário do Oriente Médio, onde começou a ser cultivado entre 8.000 e 6.000 anos atrás, o trigo se adaptou a diversos climas e solos ao longo da história da humanidade e atualmente é reconhecido tanto como cultura de inverno, sendo produzido nas zonas mais amenas do Canadá, Argentina, Estados Unidos, Europa e Rússia, bem como da primavera, em regiões de clima mais quente, a exemplo do Egito e do Paquistão. No Brasil, seu plantio ocorre desde meados do século XVIII em áreas do sul do país. No final da década de 1980, entretanto, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) perceberam que o grão também se adaptava perfeitamente às condições climáticas do Cerrado, uma área que reproduz o clima do Oriente Médio, caracterizado por grandes alterações de temperatura ao longo do período, com dias bem quentes e noites muito frias. No Cerrado, distante mais de 1.500 quilômetros do Paraná, historicamente o maior produtor do Brasil, o trigo ganhou condições excepcionais de cultivo.

“Essa região hoje produz um grão de altíssima qualidade, superior inclusive à obtida na Argentina”, avalia Antonio Guerra, pesquisador da Embrapa Cerrados. Semeado entre os meses de abril e maio e conduzido sob irrigação, esse trigo tem uma proposta diversa daquele produzido em sequeiro. Primeiro, porque é um produto que requer alta tecnologia, com custos entre 20% e 30% superiores por conta do uso dirigido de água. Outro motivo é que é uma cultura de oportunidade, ou seja, usufrui de uma infraestrutura já existente e de um momento que é extremamente propício ao seu cultivo. Nas regiões onde ganhou espaço – Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal –, o plantio do grão irrigado é feito depois da colheita de feijão, hortaliças, milho ou soja.

De acordo com cálculos do pesquisador Guerra, existem atualmente cerca de 800 mil hectares com pivôs de irrigação nas áreas de Cerrado. Deste total, 20% – ou 160 mil hectares – podem ser cultivados anualmente com trigo em sistema de rotação de culturas. A safra que começou a ser plantada em abril ocupará 30 mil hectares, que devem render uma produção de 180 mil toneladas. “Trata-se de uma agricultura de alta tecnologia, feita por empresários, e eles nunca perdem dinheiro com trigo, apesar dos custos altos”, sustenta Guerra. Isso acontece porque os investimentos em irrigação e em variedades de alta qualidade resultam em altíssima produtividade.

A produtividade média no Cerrado gira em torno de seis toneladas por hectare, mas é comum ver produtor colhendo até oito ou dez toneladas por hectare, enquanto a média da Região Sul oscila entre 2,5 e três toneladas. Outra vantagem é que no Cerrado não há registro de frio intenso ou geadas na fase de desenvolvimento do grão. Além disso, a colheita da região acontece entre os meses de agosto e setembro, antes do escoamento da safra do Sul, que vai do final de setembro ao final de novembro. Apesar dos excelentes indicadores, a cultura também apresenta alguns gargalos. O mais preocupante é a incidência da doença brusone, causada pelo fungo Pyricularia grisea, uma das principais limitações para o crescimento do cultivo do trigo no Brasil. O brusone ataca lavouras do país inteiro e é resistente a fungicidas. Com o clima propício – umidade –, o fungo se instala na planta e impede o enchimento dos grãos. “Estamos estudando 200 tipos de materiais genéticos de diversas regiões do mundo para analisar o comportamento da doença e também há um trabalho de pesquisa e desenvolvimento de uma variedade resistente ao fungo”, diz o pesquisador Alexei de Campos Vianese, da Embrapa Cerrados. “O brusone já provocou perdas de lavouras inteiras, mas percebemos que, se o trigo for cultivado na região depois de 20 de abril, quando as chuvas diminuem sensivelmente, é possível evitar a grande incidência da doença”, diz o produtor Derci Cenci, de Planaltina (GO).

Derci é gaúcho do município de Putinga e chegou ao Planalto Central 30 anos atrás, atraído por incentivos do governo federal, que no início da década de 1980 lançou o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), com apoio do governo japonês, que visava atrair produtores com experiência para colonizar o Cerrado brasileiro. Derci, que já plantava trigo no Rio Grande do Sul com o pai, Victorio, se arriscou na região na companhia de seis primos, com os quais dividiu um lote de 280 hectares. “Fizemos a inscrição em nome de meu pai, mas viemos os sete parentes no lugar dele”, conta. Primeiro foi o cultivo de arroz, depois veio a soja e, em 1995, o agricultor começou a plantar trigo depois da colheita do feijão. Leomar Cenci, que é primo de Derci, resolveu trilhar o mesmo caminho do agricultor. “Sou parte da segunda geração da família que resolveu vir para o Cerrado. Cheguei aqui aos 17 anos para administrar um lote de terra com meu irmão”, conta Leomar, hoje diretor da Coopa-DF, principal cooperativa agrícola da região.

Dos antigos 280 hectares, Leomar cultiva atualmente 2,5 mil em parceria com o irmão. Dessa área, ele dedica anualmente 135 hectares ao cultivo de trigo irrigado. “O forte aqui na região era o feijão irrigado, mas descobrimos que depois dele podemos cultivar o trigo. É uma excelente maneira de reduzir custos”, conta o agricultor, que estima uma produtividade de 6,8 toneladas para sua safra deste ano. “Temos um moinho na cooperativa, que demanda 250 mil sacas de trigo por ano. Tentamos abastecer esse moinho com a produção de nossos 100 cooperados, mas, quando não conseguimos, trazemos o resto do produto do Paraná”, conta. Nessa região do país, não são os preços de trigo que influenciam o cultivo do grão irrigado, e sim a rotação das áreas de cultivo. “Dividimos nossa propriedade de maneira que, todo ano, cultivamos 200 hectares de trigo irrigado”, diz Derci, que colhe uma média de 7 mil toneladas do grão por hectare. de acordo com seus cálculos, o custo de produção de um hectare de trigo irrigado se situa em R$ 3 mil, enquanto a renda oscila em R$ 4,8 mil, aos preços atuais de R$ 40 a saca. “Sempre temos lucro com o trigo”, conta. Em 2011, não serão apenas os produtores do Cerrado que terão bom rendimento com o grão. Triticultores de todas as regiões produtoras do país lucrarão mais, uma vez que os preços praticados no mercado interno estão, em média, num patamar 25% superior ao registrado em igual período do ano passado. Ainda assim, no Brasil o plantio deve ser menor em 2011.

A queda se explica pelos bons preços pagos ao milho, que neste ano superam os do trigo. E justamente o Paraná, referência tanto em volume como em qualidade, é o estado que deve registrar maior redução no cultivo, de 30%. “Como milho tem maior liquidez que trigo, muita gente está optando pelo grão”, assegura Élcio Bento, analista da empresa de consultoria Safras & Mercado. Há também outro fator que desanima os produtores. É que a alta de preços verificada no mercado interno é inferior à do mercado internacional, que acumula ganhos de 64% em um ano. Com a perspectiva de uma produção menor e de um consumo – estável – em torno de 10 milhões de toneladas ao ano, a tendência é que o Brasil importe cerca de 6 milhões de toneladas do grão neste ano. Além da Argentina, tradicional fornecedor, nas duas últimas safras o país também está comprando trigo de Uruguai, Paraguai, Estados Unidos, Rússia e Polônia. Entre janeiro e maio deste ano, as aquisições externas somaram 3,88 milhões de toneladas.

Na comparação entre os exportadores, o produto cultivado na Argentina é considerado um dos melhores para o Brasil, por conta da alta qualidade do solo daquele país, que origina um trigo excelente para a panificação, do frete mais barato, graças à proximidade entre os vizinhos, e da ausência de taxa de importação, em função da parceria dos países do Mercosul Na avaliação do pesquisador Quadros, da Embrapa, a autossuficiência brasileira na produção de trigo passa necessariamente pelo Cerrado. “Há disponibilidade de cerca de 3 milhões de hectares que podem ser cultivados com trigo de sequeiro na região”, conta. O plantio do trigo sem irrigação na região acontece em fevereiro e pode ser realizado na área onde foram colhidos a soja ou o milho. A colheita é feita entre os meses de abril e maio. Para o executivo Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, no entanto, cada país tem uma vocação – e a do Brasil não seria a de produzir trigo. “A maior demanda do país é por trigo para panificação, que responde por 50% do mercado nacional e tem de ter qualidade. O Brasil não consegue atender à essa indústria”, avalia o presidente do Pacífico, maior moinho da América Latina, com capacidade de processamento de 2,5 mil toneladas de trigo por dia.

O pesquisador Manoel Carlos Bassoi, da Embrapa Soja, avalia que apenas metade da produção brasileira atende às especificações da indústria nacional. Neste ano, serão produzidos no Brasil cerca de 5,3 milhões de toneladas. Metade dessa produção se refere ao trigo “pão”, destinado à produção do pão francês e de massas alimentícias. O restante é dividido entre trigo “brando”, usado pela indústria de biscoitos, e trigo “melhorador”, que contém genes de trigo aptos a ser misturados com o trigo brando para fins de panificação, produção de massas, biscoito do tipo cracker e pães industriais. A busca pela qualidade parece estar apenas no começo, e não se restringe à região centro-oeste.

Os principais moinhos apontam o norte do Paraná como uma região que colhe um produto de características tão superiores quanto as do produto argentino. Em Guarapuava, um grupo de dez agricultores se uniu com a proposta de produzir trigo de alta qualidade. “Estamos trabalhando com variedades de trigo melhorador”, diz Joseph Pfann Filho. Segundo ele, a dificuldade desse produto é que deve ser segregado nos moinhos para que suas características de qualidade sejam preservadas. Neste ano, o grupo deve cultivar entre 3 mil e 4 mil hectares e, se as lavouras se desenvolverem adequadamente, a produtividade alcançada será de 3 a 3,5 toneladas por hectare. Leia Mais