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Bem-estar animal eleva produção de carne e leite e gera renda

Pecuaristas e pesquisadores constatam: práticas que valorizam o conforto térmico e a nutrição adequada dos rebanhos resultam em ganhos financeiros para as propriedades

14 novembro 2022 - 10h55Por Revista Globo Rural
Bem-estar animal eleva produção de carne e leite e gera renda

Pecuaristas de boa parte do Brasil convivem anualmente com uma realidade desafiadora. É quando as altas temperaturas e a escassez de chuvas que dura em torno de seis meses comprometem o desempenho das pastagens e, consequentemente, a produtividade dos rebanhos. Os altos custos de suplementação com ração tornam inacessível a estratégia para todos. E é aí que entram práticas de manejo que valorizam o bem-estar animal e resultam em ganhos financeiros.

Em Brejo, no extremo leste do Maranhão, a família proprietária da Fazenda Barbosa é referência na área. Há cerca de dez anos, eles adotam com êxito a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), prática de intensificação sustentável que favorece a qualidade do pasto e o conforto térmico dos animais com o sombreamento proporcionado pelas árvores.

“O sol aqui é muito forte. Se o gado não tiver sombra, não se alimenta direito. Se não tomar água na quantidade adequada, se não houver condição para que ele expresse seu potencial genético, a produção não será a mesma”, destaca a médica veterinária Viviana Barbosa, que toma conta do segmento pecuário da fazenda.

Na propriedade de quase 1.000 hectares, a ILPF integra um sistema diversificado que inclui o plantio de capim consorciado com milho depois da colheita da soja. O eucalipto e 12 espécies de árvores nativas formam o componente florestal.

“Antes da integração, chegava nessa época, em novembro, o gado emagrecia, porque não tinha o que comer. O normal é termos chuva até o final de maio e, depois, só em dezembro. É um período muito longo de estiagem”, diz o produtor Vitor Barbosa, pai de Viviana.

Hoje com 74 anos, ele e a esposa, Fátima, lideraram a incursão da família ao interior do Maranhão, no início dos anos 2000. Depois da aposentadoria como bancários, os dois decidiram que era o momento certo de realizar o projeto antigo de viver no campo e chegaram ao Estado do Nordeste em uma época de pouquíssima infraestrutura. Mais tarde, vieram Viviana e o genro Fernando Devicari, geógrafo que cuida de toda parte agronômica da fazenda.

No Maranhão, a família contou desde o início com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que prestou assessoria para a implantação do projeto de ILPF. Hoje, a propriedade é uma Unidade de Referência Tecnológica (URT) e sedia dias de campo e experimentos de professores e estudantes de diferentes instituições de ensino e da Rede ILPF, associação formada por parceiros que trabalham para difundir a tecnologia no Brasil.

Seo Vitor recorda que a primeira área implantada com integração lavoura-pecuária (ILP, sem o componente florestal) preencheu dez hectares com o plantio de braquiária, forrageira predominante nas pastagens cultivadas do país. Entre as vantagens da planta, está a resiliência ao estresse hídrico e a incorporação de matéria orgânica, que promove a melhoria das condições do solo.

“O meu sonho era ter as vacas em um pasto que o capim alcançasse, pelo menos, a barriga do animal. E lembro que no primeiro ano com a braquiária, olhava para o gado lá no meio e só conseguia ver o cupim do reprodutor”, conta.

Quando foram abertas trincheiras para avaliação do solo, a raiz da forrageira foi observada até uma profundidade de três metros. “Nunca tínhamos visto raiz de planta nenhuma aprofundar uma área de mais do que 15 ou 20 centímetros”, completa.

A braquiária, segundo ele, foi a solução para formar a palhada sobre a terra e para quebrar a camada adensada do solo com sua raiz. O processo facilita a penetração da água no solo e forma uma reserva que ajuda a proteger a cultura da soja em períodos de veranicos.

Segurança financeira
O investimento em sementes forrageiras e no plantio de eucalipto teve rápido retorno com os ganhos na pecuária. A fartura de alimento no pasto logo provocou efeitos visíveis no rebanho. “Antigamente, as vacas não tinham uma cria por ano e o ganho de peso era menor”, relata Viviana. Nas últimas safras, além da melhoria na taxa de natalidade, foi possível um incremento entre 25 e 27 quilos na carcaça dos animais abatidos aos três anos. Antes da ILPF, o peso do gado nessa idade ficava em torno de 177 quilos, índice padrão na região.

A lotação média na propriedade é de 2,5 cabeças por hectare na área de consórcio do milho com braquiária, enquanto a média dos pecuaristas locais fica em 0,8 cabeça por hectare. “Hoje, concluímos que não é possível manter a pecuária por aqui sem a ILPF. Inclusive nosso rebanho ovino está aproveitando o capim” diz Viviana.

A diversificação produtiva também representa maior segurança, acrescenta seu marido, Fernando. “É uma forma de sempre termos uma fonte de renda para manter a propriedade. A maioria das fazendas da região fica seis meses sem entrada de dinheiro”.

Menor pressão ambiental
Um animal em um ambiente sombreado, com maior conforto, vai pastejar melhor e ter menos perda de energia, salienta o engenheiro florestal Marcelo Müller, pesquisador da Embrapa Gado de Leite. Experiências comprovam ganhos em torno de 20% na produção leiteira.

“A recuperação da pastagem ainda proporciona um aumento de duas a três vezes na capacidade de suporte do campo, o que permite ao pecuarista manter um maior número de animais na mesma área. É um ciclo virtuoso”, declara o especialista, que trabalha há mais de 15 anos com a ILPF.

Em municípios de regiões montanhosas da Zona da Mata e Campos das Vertentes, em Minas Gerais, onde o cenário comum é de pastagens degradadas pelo mau uso e pela declividade do terreno, Müller relata a recuperação e a intensificação de muitas áreas por meio da tecnologia. O processo ainda colabora para reduzir a necessidade de abertura de novas áreas para a agropecuária e, consequentemente, diminui a pressão ambiental.

“Há casos de propriedades em que a produção passou de 100 a 200 litros por dia, para 1.000 a 1.500 litros por dia. Uma vaca em um pasto ruim vai produzir de cinco a dez litros ao dia, enquanto um animal bem alimentado gera entre 15 e 20 litros ao dia”, enumera.

Manejo das árvores
Para a implantação correta de sistemas de integração, o produtor precisa ter dedicação pessoal e acesso a uma boa assistência técnica, recomenda o pesquisador. “Apesar de todas as vantagens, existe uma certa complexidade. Temos casos de insucesso. Representam uma minoria e, muitas vezes, estão relacionados à falta de engajamento do pecuarista”, acrescenta.

Um dos principais pontos de atenção está relacionado ao cultivo do componente florestal, representado, na maior parte dos sistemas do país, pelo eucalipto. A árvore exige um planejamento essencial de espaçamento e distribuição que variam conforme as características de cada propriedade.

Se houver sombra em excesso, a tendência é de uma concentração de animais nesse espaço, o que vai prejudicar a qualidade do pasto devido ao pisoteio e ao acúmulo de dejetos que facilitam a infestação por parasitas. “Nesse caso, o animal só terá o conforto térmico, mas estará em uma condição sanitária ruim e não terá pasto em quantidade adequada. É a diferença entre o remédio e o veneno, ou seja, a dose”, aponta Müller.

Um exemplo de sombreamento adequado é o cultivo de, no máximo, 200 plantas por hectare dispostas em linhas, o que facilita o manejo da área. O custo de implantação também varia muito de acordo com a região, mas fica entre R$ 5.000 e R$ 6.000 por hectare.

Já os custos de manutenção são baixos e envolvem, por exemplo, o controle de formigas até o terceiro ano e uma segunda adubação. Uma árvore de eucalipto com idade entre dois e três anos já é capaz de proporcionar sombreamento adequado.

O pesquisador da Embrapa frisa que na adoção da ILPF, nem sempre o componente florestal será comercializado como madeira pelo produtor. Os benefícios, prioritariamente, devem ser ao sistema. “A árvore pode estar ali só para sombra, mas é muito comum ser aproveitada em diversos usos na propriedade. Pode ser na construção de cercas, galpões e outras estruturas. Isso representa redução de custos”, sustenta.

Difusão de tecnologia
Ao longo dessa semana, os sistemas integrados foram difundidos em regiões do Maranhão e do Piauí pela Caravana ILPF, promovida pela Rede ILPF e Associadas (Bradesco, Cocamar, John Deere, Soesp, Syngenta e Embrapa). A expedição técnica e científica realiza atividades de difusão da tecnologia e diagnósticos regionais para a possível implantação de arranjos produtivos.

“Um dos desafios identificados no Nordeste é a escassez de assistência técnica adequada ao produtor, que também tem dificuldade de perceber a agregação de valor nas propriedades. É preciso comunicar de uma forma eficiente que ele terá, por exemplo, a possibilidade de produzir ração para os seus animais”, pontua Marcelo Müller, coordenador da Caravana.

A estimativa é de que os sistemas integrados estejam presentes em 17,4 milhões de hectares nos diferentes biomas do país. O propósito da Rede ILPF é expandir a tecnologia para 35 milhões de hectares até 2030.