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Sem Reino Unido na UE, Brasil perde 'fiador' de acordo de livre comércio entre bloco e Mercosul

27 junho 2016 - 00h00Por BBC Brasil

Em um encontro realizado há alguns meses em Londres, representantes do governo brasileiro foram interpelados por membros da Confederação de Indústrias Agrícolas do Reino Unido, a principal entidade do setor, sobre um tema polêmico que vem dividindo no país.

Eles queriam saber a posição do Brasil sobre o Brexit ─ o plebiscito sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, realizado nesta quinta-feira. A Grã-Bretanha optou, em votação de 52% contra 48%, pela saída do bloco.

"Nossa prioridade é negociar com a União Europeia e não com o Reino Unido individualmente", respondeu, então, um alto funcionário do governo brasileiro presente na reunião.

Por trás da defesa do governo brasileiro pela permanência do país no bloco, estavam não apenas aspectos econômicos, mas também políticos.

Isso porque, segundo apurou a BBC Brasil, o Reino Unido tem sido um dos principais "fiadores" das negociações para o tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Encabeçado pelo Brasil, o acordo sofre resistência de países como a França, temerosos de que produtos agrícolas sul-americanos possam enfraquecer a agricultura local.

Por outro lado, apesar de subsidiada, a agricultura não é o forte da economia do Reino Unido (o setor responde por menos de 1% do PIB britânico), mais interessado nas perspectivas de negócio que se abririam com a ampliação do fluxo comercial ─ especialmente para os setores de indústria e de serviços.

"O setor agrícola não é tão forte no Reino Unido como em outros países da Europa. O país sempre teve como princípio defender o livre comércio e está interessado nas oportunidades de investimento que vão surgir", disse à BBC Brasil uma fonte envolvida nas negociações.

O Mercosul negocia há cerca de 16 anos com a União Europeia um acordo para ampliar o intercâmbio comercial entre os dois blocos. O objetivo é que o tratado envolva não só questões de barreiras tarifárias, mas também convergência e padronização de regras que facilitem a integração de cadeias produtivas.

Em maio deste ano, pela primeira vez desde 2004, União Europeia e Mercosul trocaram ofertas tarifárias para negociar um acordo de livre comércio do qual foram excluídos "produtos sensíveis" ─ como carne bovina e etanol ─ para o bloco europeu, em grande parte por pressão da França, maior potência agrícola europeia, e de outros países.
Mesmo assim, entidades agrícolas europeias criticaram o avanço das negociações.

Segundo estudos citados por elas, a UE poderia perder até 7 bilhões de euros (R$ 27 bilhões) se firmar o tratado com o Mercosul, "que já é um grande exportador de matérias-primas agrícolas".

A UE e o Mercosul vão "analisar ofertas" e voltarão a se reunir em breve, antes das férias do verão europeu (inverno no Brasil), segundo o Itamaraty.

Economia
Mas não é só essa a razão que explica a preferência do Brasil em negociar com a União Europeia.

Se somados todos os seus Estados-membros, o bloco europeu é hoje o principal parceiro comercial do Brasil ─ com trocas anuais da ordem US$ 70,6 bilhões (R$ 241 bilhões).

"É muito mais vantajoso para o exportador brasileiro negociar com um bloco do que com um país individualmente", disse à BBC Brasil uma representante do governo brasileiro que pediu para não ser identificada
"Estamos falando de um mercado de 500 milhões de pessoas contra um mercado de 64 milhões. Na hipótese de o Reino Unido deixar a União Europeia, seria necessário criar novas normas e se adaptar a elas. Isso leva tempo e custa dinheiro", acrescentou.

Na outra ponta, o Reino Unido responde, atualmente, por apenas 1,5% das exportações brasileiras. Como 15º parceiro comercial do Brasil, está longe de ser economicamente desprezível, mas sua importância geopolítica dentro da EU é "muito maior", disseram especialistas à BBC Brasil.

Em entrevista à BBC Brasil, Alan Charlton, embaixador do Reino Unido no Brasil entre 2008 e 2013, disse que o país sempre se mostrou favorável ao acordo de livre comércio com o Mercosul.

"Se o Reino Unido sair da União Europeia, o Brasil perde um de seus maiores apoiadores dentro do bloco europeu e isso tornaria o acordo mais difícil de ser forjado", afirmou.

Na avaliação de Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP, o Brasil poderia ser prejudicado pela instabilidade gerada pela eventual saída do Reino Unido do bloco europeu.

Ele lembra que o Brexit (saída britânica) pode desencadear o início de um processo de ruptura maior na UE.

"Em primeiro lugar, a saída do Reino Unido da União Europeia poderia provocar uma crise financeira na Europa cujas implicações seriam, sem dúvida, sentidas no Brasil. Além disso, traria de volta o risco de instabilidade no continente aumentando tensões e aprofundando divisões. Essa instabilidade não é benéfica para o Brasil em termos de comércio", afirma.

"Não acredito, assim, que essas perdas sejam compensadas por acordos bilaterais que o Brasil possa a vir firmar com o Reino Unido", acrescenta.

Mudanças?
Mas Charlton faz a ressalva de que, na eventualidade de o Reino Unido sair da União Europeia, o Brasil ou até mesmo o Mercosul poderiam ter mais "facilidade" para negociar um acordo bilateral com o país "a longo prazo".

"Se o Reino Unido realmente optar por abandonar a União Europeia, talvez seja mais fácil para o Brasil - ou até mesmo para o Mercosul - negociar um acordo bilateral. Um dos maiores problemas na negociação atual é a agricultura, que hoje já não tem presença forte na economia britânica", avalia.

"Sem dúvida para o Brasil é mais vantajoso negociar com a União Europeia. Mas não me parece ser difícil que um acordo bilateral com o Reino Unido seja firmado numa eventual saída. Os novos governos brasileiro e argentina já se mostraram inclinados a explorar novos mercados", acrescenta.

O atual ministro das Relações Exteriores, José Serra, já deu indicações de uma possível guinada na política externa. Em declarações recentes, ele disse que o Mercosul não fará "concessões unilaterais" para destravar o acordo com a União Europeia.

"O Brasil não vai fazer concessões unilaterais, não faz sentido. Eles (UE) não fazem, por que nós vamos fazer?", questionou Serra a jornalistas, durante viagem no mês passado a Paris, na França.