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Esterco, aliado do criador do gado de leite

26 outubro 2009 - 00h00

O produtor de leite sabe bem o trabalho que dá manter a higiene na criação. Mas o que pouca gente sabe é que a diferença entre um curral limpo e outro sujo pode representar muito mais que uma questão só de higiene.
O manejo do esterco pode render economia e lucros para o criador. A reportagem do José Hamilton Ribeiro e do Sandro Queiroz mostra como isso é possível.
Estamos chegando a Bom Despacho, centro oeste de Minas Gerais, a 200 quilômetros de Belo Horizonte, região tradicional de pecuária. Ao lado de pinheiros é possível ver a chegada da agricultura moderna na forma de um ciclo verde dos pivôs de irrigação. 
O  município tem cerca de 50 mil habitantes, alguma atividade diversificada, mas o leite ainda é o carro chefe da economia. Com 2.500 associados a cooperativa é a maior empresa de Bom Despacho e tão importante para o mundo rural que o escritório da Emater fica dentro de seu terreno.
Ali trabalha o agrônomo Fábio Gonçalves, com mais de 10 anos percorrendo as instalações de leite da região. Fábio observa que num manejo básico o aproveitamento do estrume ainda não é praticado direito pela maioria.
“Hoje nós temos menos de um por cento dos produtores utilizando isso para a geração de energia. Em torno de 10% é o que faz aquilo que a gente considera como o manejo correto, que faz primeiro a compostagem do material para depois levar para as lavouras ou para as pastagens. E a grande maioria, em torno de 90%, faz simplesmente a retirada deste material da sala de ordenha e leva diretamente para as campineiras, para a cana, para as pastagens. Esse material, como ele não está decomposto, pode estar retirando nitrogênio do solo, num primeiro momento, para fazer a decomposição deste material”, explica.
O agrônomo da Emater diz que muita gente não está valorizando o lado econômico. Uma vaca de leite comum produz cerca de 25 quilos de dejetos por dia. Numa propriedade pequena de 20 vacas são 500 quilos a cada 24 horas. Fábio faz as contas considerando apenas 100 dias do período da seca, época em que os animais ficam praticamente confinados. São 50 toneladas de esterco que devidamente manejado significam 250 quilos de nitrogênio, 150 quilos de fósforo e 250 quilos de potássio.
“Isso aí a preço de mercado hoje seria uma adubação, que com o adubo químico, ficaria em torno de dois mil reais para o produtor. Isso é muito significativo para uma propriedade de vinte animais. Talvez seja o lucro que esteja indo ralo abaixo”, alerta.
Em outra fazenda o esterco é dor de cabeça, ele escorre direto do curral para o chão, produzindo até atoleiro. Resultado: desperdício, sujeira, mosquito, mau cheiro e certamente um problema ambiental.
Wesley Rodrigues, filho do dono da fazenda tem consciência de que está errado, mas no momento, a prioridade na fazenda é a produção de verdura. Preferiu, no entanto, resolver a questão do esterco rapidamente.
“O produtor sofre muito nesta hora por causa do baixo custo de leite e a matéria prima que a gente utiliza vai acima do valor do leite”, afirma ele.
Já em outra fazenda é tudo limpinho. O esterco é manejado corretamente, mas o custo da energia chega a doer. Eletricidade para ligar motor, bombas e ainda esquema de trator com tanque para esparramar chorume no pasto.
“O custo de energia é de mil reais por mês e mais uns mil e quinhentos reais com o custo do trator para o manejo do esterco. A margem do leite é tão pequena que qualquer coisa que a gente puder economizar, talvez seja o lucro no final do ano”, diz Fabiano Brandão, criador.
Já na fazenda Nossa Senhora Aparecida, quase um milagre, o esterco de problema vira economia. Com o biodigestor, o gás é transformado em energia elétrica com isso a conta de força e luz no fim do mês vai lá em baixo.
O local é limpo e lavado assim que termina uma ordenha, com isso, tanto esterco quanto urina corre numa canaleta até uma lagoa de concentração, aí se cuida para que não falte água, de forma que o material esteja sempre meio liquido para não entupir a entrada do biodigestor.
E o digestor o que faz é digerir, comer o estrume num ambiente sem oxigênio que está dentro de um balão. Resultado: são dois produtos, o gás que infla o balão e depois sai por um cano ou pelas válvulas de segurança, e o biofertilizante que sai por outro cano.
Formado em odontologia Cláudio Martinelli não exerce a profissão, sempre teve habilidade para mexer com máquinas, motores, mecânica em geral.
“De qualquer maneira o curral tem que ser raspado todo dia. Uma das grandes vantagens do biodigestor é no meio ambiente, você tem redução de mau cheiro e de moscas em geral, principalmente a mosca do chifre”, diz Martinelli.
A segunda vantagem é o processo acaba com sementes de ervas daninhas e eventuais agentes de doenças. “A terceira grande vantagem é a produção do biofertilizante, que é muito melhor do que o esterco cru. E a quarta vantagem é a produção do biogás”, explica.
Martinelli gastou vinte mil reais para apanhar tanto o digestor que comprou bruto, quanto o conjunto motor, gerador. Só sobre o motor já dava para fazer uma reportagem, porque o motor é de maverick, um carro antigo que foi comprado no ferro velho, o escapamento fica dentro de uma fornalha para esquentar água para lavar as ordenhadeiras e a hélice e o radiador desapareceram para produzir mais água quente também para lavar as ordenhadeiras e outras coisas.
De qualquer maneira é preciso um filtro especial. “Eu tenho este filtro especial. O gás vem lá por baixo do biodigestor, daí vai para o motor. No caminho está o filtro com um pedaço de espuma e palha de aço. Ele custa três reais”, explica.
Agora vamos conversar com Antonio Baeça, empregado antigo da fazenda e um entusiasmado com o efeito do biofertilizante nas plantas. Queremos saber se o biofertilizante ajudou na cana cortada a quinze dias, em plena seca.
Com o esterco seco a gente teria que esperar a chuva lá pelos seus dois, três meses. Enquanto o churume resolve praticamente na hora, você já joga em forma de uma adubação liquida.
Desde que foi instalado o digestor, Martinelli usa o biogás só para produzir eletricidade. Será que aproveitar o gás do biodigestor para fazer energia elétrica é a melhor coisa a se fazer com ele? Nós fomos até Jabuticabal, no norte do estado de São Paulo, atrás de um especialista para nos tirar estas dúvidas.
Fomos atrás de um professor do departamento de engenharia rural. Nossa equipe encontra o professor Jorge de Lucas, que trabalha há quase trinta anos com biodigestor, testando o gás de um aparelho experimental vendo-o queimar.
“Este gás é o chamado biogás, ele na realidade é uma mistura de gases, cujo principal componente é o gás metano”, explica.
Este gás não tem cor nem cheiro, mas carrega um poder de poluição muito grande. Por isso é de interesse de todos que o metano seja queimado, antes de subir para a atmosfera, onde se torna uma das causas do aquecimento global.
Hoje existe até um valor de mercado, como forma de recompensa, para quem presta este serviço ambiental.
Certas vacadas produzem, enquanto viva além do leite, e da possibilidade de extração de gás do estrume, mais um elemento de valor no mercado internacional, o chamado crédito de carbono.
“Se a vaca for totalmente confinada, ela pode gerar de cinco a seis créditos de carbono por ano”, afirma.
Como cada crédito de carbono equivale a R$ 35, uma vaca pode significar R$ 175 por ano. Assim, um curral de cem vacas geraria R$ 17.500, quantia que pouco tirador de leite recebe na mão limpinha no fim do ano.
O mecanismo para conseguir o crédito de carbono é o seguinte: “Existe empresas especializadas na execução do projeto, no trâmite todo, e destinam neste contrato uma porcentagem dos créditos ao produtor”.
Mas nós fomos até Jabuticabal para saber se o Martinelli, o produtor de Bom Despacho, está fazendo um bom negócio com o seu biodigestor. “Produzir energia elétrica é um bom negócio, é uma energia limpa que foi gerada ali mesmo, pelo próprio dejeto”, afirma.
O professor Jorge de Lucas lembra, porém, que esta decisão depende muito da necessidade de cada fazenda. Outras opções possíveis são usar o gás para aquecer leitões ou pintinhos, funcionar secador de grãos ou acionar bomba de espalhar chorume.
Quanto ao motor, tanto vale adaptar um já existente quanto o produtor adquirir um novo, já fabricado especialmente para funcionar com biogás. No Paraná, no Rio Grande do Sul e em São Paulo há empresas fazendo este negócio.
De volta a fazenda Nossa Senhora Aparecida, do Claudio Martinelli, onde ele usa o gás para fazer energia elétrica. “Muito satisfeito. O custo de energia elétrica, atualmente, caiu em torno de 70%, mas nós vamos adquirir outro biodigestor e aí vai zerar totalmente o custo com energia elétrica. Nesta nova aquisição, de outro biodigestor nós vamos realizar este projeto para receber estes créditos de carbono”, afirma.
Para gerar o crédito de carbono, o motor precisa receber um certificado no sentido de que promove a queima completa do biogás. Martinelli diz que já está estudando como fazer isso com seu motor adaptado. “Aí nós vamos conseguir receber este crédito de carbono”, declara Martinelle.
Nesse mercado internacional do crédito de carbono, são as empresas de países ricos que pagam a quem reduz a poluição da atmosfera. Ainda é difícil conseguir o benefício, por conta de uma complicada burocracia. Mas a tendência é que, com o tempo, ele se torne mais acessível.