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Câmbio é maior adversário do produtor

06 novembro 2009 - 00h00Por Valor Econômico

Os dados do primeiro prognóstico da safra 2009/2010, divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no final de outubro parecem confirmar o consenso estabelecido entre consultores, analistas e produtores. A área reservada ao plantio, em plena execução a esta altura, deverá praticamente repetir os números da safra passada, com a soja roubando espaços tanto do milho quanto do algodão, culturas que tendem a ocupar áreas menores no ciclo em curso.

A ligeira recuperação na produtividade média das lavouras, favorecida pelo clima, deverá estimular a colheita de 139,06 milhões a 141,6 milhões de toneladas de grãos no país, segunda maior safra da história, o que corresponderia a uma produção entre 3,89 milhões a 6,46 milhões de toneladas acima daquela colhida em 2008/2009, conforme avaliação da Conab.

O avanço da oferta será puxado quase somente pela soja, que responderá por 44,8% da produção total, diante de 42,2% na safra encerrada em junho passado. Na versão da Conab, o país colherá entre 62,26 milhões e 63,27 milhões de toneladas, num ganho em torno de 9% a 11% em relação à safra anterior, representando a entrada no mercado de 5,17 milhões a 6,19 milhões de toneladas a mais. Para o milho, a Conab projeta 50,90 milhões a 52,16 milhões de toneladas, enquanto a safra de algodão deverá conservar níveis perto de 1,76 milhão de toneladas, previsão pessimista, ou algo em torno de 1,89 milhão de toneladas na visão otimista, diante de 1,86 milhão de toneladas na safra passada.

No ano passado, nesta mesma época, alguns produtores conseguiram negociar preços médios entre R$ 50 e R$ 52 pela saca de soja, em contratos para entrega ao final da colheita. Desta vez, com o mercado pressionado pela perspectiva de uma oferta inédita do grão no mercado mundial e pelo dólar mais barato, os agricultores mais próximos aos portos mal conseguem fixar cotação próxima aos R$ 37 para a soja da safra nova, numa queda de quase 30%.

Com a cotação do dólar caindo no segundo semestre - desde o final de junho a moeda perdeu perto de 10% de seu valor -, as margens para a soja tendem a se encurtar, revertendo o sinal positivo registrado nas últimas safras. Plantei a safra com o dólar próximo a R$ 1,90 e vou colher com uma cotação mais baixa, o que significa preços menores em reais, reclama o produtor rural Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GV Agro), presidente do Conselho Superior de agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ex-ministro da Agricultura.

Soja e carnes devem ter resultados satisfatórios, embora o mesmo não se possa dizer em relação ao algodão e ao milho. O açúcar é um caso à parte. A quebra da safra na Índia, que deixou de produzir perto de 11 milhões de toneladas, quase um terço da produção brasileira, fez os preços saltarem para os níveis mais altos em 28 anos. Como resultado, o país deverá produzir 16% mais neste ano, enquanto a produção de etanol deverá ter seu crescimento limitado a 4%.

Para alguns analistas, os preços da soja no mercado mundial deverão cair dos quase US$ 9,20 por bushel em vigor no final de setembro para contratos com vencimento em janeiro e março, na Bolsa de Chicago, para US$ 8 e até mesmo US$ 6, menos da metade da cotação em vigor no pico de alta do grão em 2008, conforme os mais pessimistas. Apostamos em alguma coisa entre US$ 8 e US$ 8,50, prevê Roberto Rodrigues.

A avaliação do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), difere ligeiramente. Considerando a receita média da soja no final de agosto de 2009 e os custos em vigor em julho, o Cepea estimava uma rentabilidade superior a 10% para o grão, antecipando um avanço da soja e de outros grãos com preços mais atrativos, como o feijão, sobre áreas de milho na safra 2009/2010.

Para o agrônomo José Vicente Ferraz, da AgraFNP, consultoria em São Paulo, o cenário para soja não parece ser tão favorável assim. Levando-se em conta conjuntura internacional, os preços tendem a ser ainda ruins em 2010, analisa. Com safras recordes esperadas para os EUA, Brasil e também na Argentina, a produção mundial poderá atingir 246,1 milhões de toneladas projetadas em outubro pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), o que já representaria uma oferta adicional de 35,5 milhões de toneladas quando comparada à safra 2008/2009.

A demanda global deve avançar para 231,6 milhões de toneladas, perto de 11,8 milhões de toneladas a mais, o que aumentaria os estoques em volume equivalente a 12,7 milhões de toneladas, chegando a 54,8 milhões de toneladas.

Normalmente, a tendência já seria de baixa, pondera Rodrigues, mesmo desconsiderando-se o risco da conspiração chinesa contra os mercados. A China, que sustenta largamente mercado, e especialmente as exportações brasileiras de grãos em 2009, poderá ser uma das grandes incógnitas.

Assolada pela pior seca em 80 anos, lembra Rodrigues, a China correu para reforçar seus estoques e comprou 39 milhões de toneladas de soja entre janeiro e agosto, três vezes mais que o volume adquirido em 2000/2001 -13 milhões de toneladas. O grande temor é que os chineses usem seus estoques, correspondentes a mais de 70% das reservas finais previstas para a safra 2009/2010 em todo o mundo, para barganhar preços ainda mais baixos quando a gigantesca safra americana desembarcar no mercado.

A baixa remuneração dos produtores de milho resultou em redução de área. A Conab projeta queda entre 6% e 8%, com o milho passando a ocupar entre 8,48 milhões a 8,81 milhões de hectares na safra de verão. Os preços em Goiás atingiram perto de R$ 12 por saca, quase 27% abaixo do valor mínimo de garantia fixado pelo governo (R$ 16,40 por saca). A queda (no plantio) só não será maior porque parte dos produtores de soja terá de fazer rotação de culturas, usando o milho, diz Pedro Arantes, economista da Federação da Agricultura e pecuária de Goiás (Faeg).

Os riscos poderão ser agravados ainda se a safrinha de milho crescer muito mais do que o esperado, reforça Arantes. A previsão inicial da Conab leva em conta o mesmo cultivado na safra passada, em torno de 4,90 milhões de hectares. Deve-se considerar ainda, segundo Arantes, que os estoques atuais de milho, no Brasil, correspondem a quase um quarto do consumo.

Olhando o cenário global, Roberto Rodrigues pondera que os dados disponíveis sobre oferta e demanda mundiais não sugerem a perspectiva de grande queda para os preços do milho. Devemos ter um cenário de estabilidade para o grão pela frente, analisa.

A produção global deverá somar 792,5 milhões de toneladas, recorde, sem dúvida, mas apenas 1,20 milhão de toneladas além dos volumes de 2008/2009, enquanto o consumo tenderá a aumentar de 774,7 milhões para 803,1 milhões de toneladas, num avanço correspondente a 28,4 milhões de toneladas ou 3,7% a mais. O USDA estima queda de 7% nos estoques finais, para 136,3 milhões de toneladas, o que deverá determinar o comportamento do mercado, segundo Rodrigues. Em 2010, essas reservas corresponderão a perto de 17% do consumo mundial, diante de 29% em 2000/2001.

A situação se tornará muito mais complicada, novamente para os produtores do Centro-Oeste, com esse câmbio malvado, nas palavras escolhidas por Roberto Rodrigues para se referir ao achatamento dos preços em reais causado pelo dólar valorizado. Dados do Cepea relativos ao começo de setembro indicam que os custos de produção do milho safrinha superavam as receitas previstas em 25% a 30%. Mas as projeções para a safra de verão sugerem rentabilidade positiva caso a produtividade mantenha-se próxima à média de anos anteriores, ou seja, em torno de 4 mil quilos por hectare.

Às vésperas da 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 15), agendada para dezembro, em Copenhague, na Dinamarca , torna-se a cada dia mais complicado para o agronegócio ignorar a discussão de temas ambientais relacionados ao comércio mundial de alimentos e energia. Pressionado pela cobrança de adoção de práticas conservacionistas e de sistemas de rastreabilidade da produção, o setor tem buscado, aqui e ali, se adequar a demandas que vieram para ficar, conforme analisam Roberto Rodrigues, da GV Agro, e André Meloni Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

Desde a tentativa frustrada de um acordo bilateral entre o Mercosul e a União Europeia em 2004, relembra Nassar, o comércio entre as duas regiões, especialmente no caso brasileiro, tem sofrido com embaraços por conta de barreiras comerciais, sociais e ambientais. Os países do bloco europeu ainda são os maiores compradores dos produtos do agronegócio brasileiro, diz ele. Por isso mesmo, será preciso encontrar fórmulas para conciliar a crescente demanda global em relação à preservação do meio ambiente e os interesses do setor.

As exigências de práticas sustentáveis ambientalmente, reforça o agrônomo Roberto Rodrigues, não podem mais ser vistas como uma coisa romântica ou ideológica. Elas vieram para ficar. Isso vale especialmente para a área da pecuária bovina de corte, que terá de caminhar para uma espécie de moratória a exemplo do acerto firmado entre esmagadoras de soja e institutos ambientais.

No início de outubro, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, três entre os maiores grupos frigoríficos do país- Marfrig, JBS-Friboi, já incluindo o Bertin, recém-adquirido pelo grupo, e Minerva- formalizaram um pacto contra o desmatamento da Floresta Amazônica com o Greenpeace.

Nos termos do documento firmado então, nenhum novo desmatamento para pecuária será aceito depois de 22 de junho de 2009. Os frigoríficos se comprometem a comprovar, de uma forma monitorável, verificável e reportável, que nenhum de seus fornecedores derrubou árvores para criação de gado, exigência que será aplicada, em dois anos, também aos fornecedores indiretos, incluindo propriedades que se dedicam à cria e recria de bovinos - o que exigirá a adoção de sistemas de rastreabilidade tão rigorosos quanto o que a UE tem exigido do Brasil.

No final de julho, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) renovaram a chamada moratória da soja, prolongando-a até julho de 2010. Por meio desse instrumento, firmado com entidades ambientalistas e com o Ministério de Meio Ambiente, a indústria do setor compromete-se a não comprar soja de áreas desmatadas a partir de julho de 2006.