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A mulher no campo

26 outubro 2009 - 00h00Por Folha de São Paulo

Mulheres fortíssimas e valentes estão na base da nossa agricultura; a elas, o respeito do povo brasileiro.

NO DIA 15 deste mês o mundo todo celebrou o Dia da Mulher Agricultora. Se há um povo que deveria soltar rojões para comemorar a data, somos nós: afinal, na presidência da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) temos, pela primeira vez na história, uma mulher lúcida, lutadora, corajosa, determinada, defensora incondicional da agropecuária brasileira, a senadora Kátia Abreu.
Com uma história construída na batalha permanente em favor do campo, Kátia Abreu vem marcando sua trajetória presente com os mesmos valores que a trouxeram à presidência da mais importante organização de agricultores e pecuaristas do Brasil. E tivemos outras líderes.
Alice Ferreira, ex-presidente da Associação Brasileira de Criadores de Nelore, fez um trabalho exemplar em sua passagem pela entidade, sobretudo porque marcada por dificuldades de toda ordem para o setor.
Dona Lia Souza Dias, outra formidável guerreira, presidiu a Orplana (Organização dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo) na desigual disputa com usineiros: Golias enfrentou David com galhardia. E temos Bia Martins Costa, do Planeta Orgânico. Aliás, é bom lembrar que conforme o Censo Agropecuário 2006, 13,7% dos estabelecimentos da agricultura familiar eram dirigidos por mulheres!
Mas gostaria de tratar das mulheres que não apareceram, não se notabilizaram por ações extraordinárias, não têm seus nomes aclamados pela memória dos militantes do campo, e, no entanto, foram a fortaleza dos produtores que construíram a fronteira agrícola brasileira.
Quantas mulheres gaúchas, catarinenses, paranaenses, paulistas, mineiras, subiram em caminhões com tudo o que possuíam de bens materiais e, empurrando as famílias para o sertão, construíram, do nada, patrimônios poderosos! Sem elas, seus homens não teriam sabido avançar. Elas, com seu espírito prático, montaram lares provisórios, com fogões improvisados e cozinharam para a família e os agregados, anos a fio no meio do mato, até que houvesse renda para fazer a casa e, então, poder governar toda a turma, com pulso firme e objetivos claros e definidos, na direção do crescimento e da estabilidade.
Lembro-me quando, há quase 40 anos, viajando pelo Mato Grosso, encontrava, nos confins do nada, posto de gasolina em que o frentista era uma loirinha gaúcha, chamando a gente de tchê, mãos calejadas pelo trabalho pesado...
Por sua vez, as mulheres nordestinas se embrenharam pela floresta amazônica com seus pais, irmãos e maridos para sangrar seringueiras no ciclo da borracha, e sua presença dominante deu consistência à incorporação do Acre ao nosso território.
Voltando no tempo ainda mais, para o começo do século 20, tivemos famílias inteiras de italianos que deixaram tudo para trás e vieram cuidar dos cafezais paulistas e paranaenses. E alemães e holandeses que foram para o Sul plantar flores, uvas e frutas de clima temperado.
Todos trouxeram tecnologias, pratos novos, e com a posição marcante das mulheres, forjaram este cadinho de raças único que é o Brasil.
Dos muitos livros que contam a saga dessas famílias construtoras do nosso progresso, há um, da família Bellodi, cujo título é: Os Que Dizem Adeus Não Olham Para Trás. É isso.
Mulheres valentes, fortíssimas, estão na base da nossa agricultura.
Deixaram suas raízes por uma nova pátria.
A elas, o respeito reverente de todo o povo brasileiro. E uma dívida irresgatável.
ROBERTO RODRIGUES , 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.