A raça de bovinos mais conhecida do Brasil, a nelore, também é apontada como uma das que produzem a carne de melhor qualidade e tem as características que melhor se adaptam às condições climáticas do País. Esses atributos, porém, ficaram fora de moda por alguns anos, com a chegada de outras raças de bovinos.
O trabalho do pecuarista Paulo César Matos Oliveira, que assume a Associação Sul-Mato-Grossense dos Criadores de Nelore, é esse: o de devolver o protagonismo à criação do nelore, não apenas na pecuária, mas também no agronegócio. Segundo ele, a intenção é buscar linhas de crédito para pecuaristas, ampliar a assistência, melhorar o rebanho do Estado e fazer articulação política.
Conte-nos sobre este desafio de assumir a Associação dos Criadores de Nelore de Mato Grosso do Sul.
É um momento importante, porque o agronegócio tem uma relevância na economia de nosso estado, e, no contexto da pecuária, o nelore é uma raça que compõe mais de 80% do rebanho bovino. Então, em primeiro lugar, o nosso desafio é poder manter essa estrutura já construída ao longo dos últimos anos, como os melhoramentos genéticos que nos levaram a produzir essa carne de qualidade. O que nós pretendemos é focar em um programa de valorização da raça, dos criadores de nelore, por meio de vários instrumentos, como, por exemplo, voltar as feiras, aumentar os leilões e focar em mais articulação.
Há 20 anos, Mato Grosso do Sul tinha o maior rebanho bovino do Brasil, e agora tem o quinto maior rebanho. Porém, há quem diga que a produtividade aumentou de lá para cá. O que mudou?
Quando se fala de agronegócio, também se inclui a pecuária, embora a agricultura concorra conosco muito mais no noticiário. Mas também tivemos grandes avanços de produtividade, e qual a importância desses avanços para nós? Na questão genética, melhorou a qualidade da carne produzida e reduziu o tempo de abate. Hoje temos um rebanho menor, mas o resultado em produtividade por hectare aumentou bastante, fruto desses ganhos de produção.
Mas politicamente, a agricultura ainda tem uma visibilidade maior?
Sim, ela tem mais visibilidade. Quando há uma seca, sempre há alguma autoridade encontrando uma linha de crédito para a agricultura, para que ela tenha boas condições de financiamento e se organize para a próxima safra. Quando há a mesma seca, o pecuarista não tem a mesma facilidade. Tivemos, no início desta década, quase três anos de períodos extremamente secos no inverno, e nunca ninguém se levantou para falar: ‘Olha, vamos arrumar uma linha de crédito para o pecuarista manter seu rebanho, adquirir insumos para melhorar’. Não tivemos essa oportunidade.
Você pretende ter uma atuação política mais forte à frente da entidade?
Sim. Nós tivemos agora, recentemente, uma queda de preço significativa na arroba do boi. É uma bandeira que devemos levantar para pedir mais apoio, digo isso como presidente da associação. Devemos mobilizar a classe política, todos os setores: governo do Estado, bancada federal, todos, para que, no momento em que a pecuária precisar deste respaldo, a gente possa encontrar um apoio, como ocorre hoje no segmento da agricultura. E é bom destacar que a agricultura gira dinheiro mais rapidamente, porque o processo é de quatro a cinco meses entre o plantio e a colheita. Já a pecuária tem um ciclo mais longo, que é feito ao longo dos anos. Temos um processo de melhoramento que está chegando ao seu ápice, e por isso queremos aproveitar este momento para pedir mais apoio.
Então o roteiro da sua chegada à associação está traçado?
Sim, queremos aproveitar o momento. Vamos, primeiramente, divulgar a qualidade do nosso produto. E também há uma outra situação na pecuária, em que todo o setor de produção, de insumos, de estímulo, de incentivo, sofre. Falo pelo pecuarista. Assim, vamos fazer isso, levar esse melhoramento, não só genético, mas o conhecimento, para melhorar todo o processo produtivo, para aumentar a lucratividade.
Pretende, no médio prazo, implantar cursos, aumentar as consultorias?
Pretendo agora, por meio da associação, criar mecanismos para poder melhorar a margem de resultados do pecuarista. Nós já conseguimos avançar, apesar de ser um processo bem mais moroso que o da agricultura. A rentabilidade hoje está muito ruim, e a gente fica muito exposto também a essas questões de mercado, né? Então, qual é a solução para isso? Nós precisamos valorizar o que a gente produziu, valorizar o trabalho que toda a classe produtora da pecuária e do nelore fez ao longo desses anos, para que a gente possa, a partir de agora, criar um mecanismo para aumentar a rentabilidade, o apoio ao produtor, e aumentar a conscientização dele.
Tem algum programa que pretende implementar?
Queremos melhorar a qualidade do plantel do pequeno produtor. Aqui em Mato Grosso do Sul, por exemplo, produzimos touros de qualidade. Somos um dos melhores criadores de touros do Brasil e, ao mesmo tempo, temos muitos produtores que não têm acesso a essa genética de excelência para melhorar o seu rebanho e, portanto, melhorar a sua lucratividade. Pretendo buscar uma forma de abrirmos uma linha do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO), via Superintendência para o Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), para que o pequeno produtor possa ter mais acesso a essa genética. Já temos uma linhagem muito boa na ponta, mas também precisamos avançar na base da produção. O objetivo é equalizar o mercado da carne e desenvolver o rebanho e a carne produzida pelo gado nelore em Mato Grosso do Sul como um todo.
Então pretende criar um selo de qualidade?
Sim. A carne produzida no Estado, além de ser de excelente qualidade, também respeita muito as questões ambientais. A gente precisa agregar valor à nossa carne nos mercados, tanto no mercado nacional quanto no internacional. A gente pretende criar um selo de qualidade, credenciando as propriedades dos nossos associados, e os que ainda não são, buscaremos os parceiros para ficarem sócios. Já temos algumas parcerias com a Embrapa, Geneplus, que são programas de avaliação genética. Também pretendemos conversar com os grandes frigoríficos, ou até buscarmos uma alternativa de frigoríficos menores.
E como seria esse ganho de valor agregado na arroba do boi?
A intenção é que o produtor tenha um retorno melhor, porque hoje a arroba está valendo a mesma coisa que em 2020. Se a gente transformar isso em dólar, hoje ela é vendida a aproximadamente US$ 40. Na Argentina, está US$ 78. O que ocorre? A Argentina produz um gado de origem taurina, mas nós também produzimos, né? Acontece porque existe um marketing muito forte quanto à origem da carne: argentina, uruguaia, australiana. Aqui em Mato Grosso do Sul e no Brasil, precisamos melhorar esse conceito.
Pretende ganhar mercados?
Sim. Às vezes o governo do Estado recebe, por exemplo, uma comitiva da Irlanda, outro dia, na prefeitura, outro exemplo, veio uma comitiva do Cazaquistão. O que eu quero é ter a oportunidade de estar com eles, de mostrar o nosso produto, nossa produção, nossa qualidade, inclusive de oferecer em um almoço, algo assim. Também quero visitar as embaixadas de prováveis países que possam ser nossos importadores.
Hoje, o nelore divide espaço com outras raças, como a angus. Qual a estratégia para fazer a raça recompor espaço no segmento de carne premium?
Quanto ao angus, acredito que os criadores foram mais competentes. Para se produzir o angus, depende de uma vaca nelore, assim, sem um nelore você não faz o meio-sangue. Quanto ao marketing, o que podemos fazer é um trabalho de marketing e relacionamento. Porque o nelore tem uma grande vantagem: ele engorda a pasto, diferente de outras vacas de cruzamento, que são terminadas em confinamento ou com suplementação.
E sobre a questão ambiental, vocês pretendem buscar uma certificação, uma vez que o mercado internacional cada vez mais exige comprovações nesse sentido?
Essa questão ambiental assusta muito o produtor, e isso ocorre porque, muitas vezes, a gente sente falta de respaldo, de apoio, e às vezes até de informação. O pecuarista já é meio estigmatizado, muito se fala que o boi produz muito carbono. Mas quando você pega as propriedades você vê que, em Mato Grosso do Sul, hoje, praticamente todas as propriedades já estão cadastradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), com seus 20% de reserva e área de preservação permanente. O pecuarista preserva muito, porque ele precisa preservar. O que nós precisamos é criar um mecanismo para fazer com que pecuaristas tenham esse reconhecimento, futuramente, em um cálculo compensatório, mas pelo menos trazer esse compensatório e também mostrar a qualidade da carne produzida nessas propriedades que respeitam o meio ambiente.
Você falou que o gado nelore, em sua maioria, é terminado a pasto, não é mesmo?
Sim, queremos mostrar isso. Por exemplo, o confinamento produz uma quantidade gigantesca de carbono e não dá retorno de compensação, porque não tem reserva, não tem área de preservação permanente (APP), não tem o capim, que também conta para o processo de captação de carbono. Eu não sou especialista nesta parte, mas é preciso fazer um estudo profundo, porque acredito que a tendência é nos aproximarmos do carbono neutro. Já conversei com o governador e pretendo estabelecer com ele uma relação para sermos parceiros nesta meta de ser carbono zero. Além do selo de qualidade, também queremos ter um selo ambiental.
E sobre o time que está montando para a Associação dos Criadores de Nelore?
Estamos chegando com um time de grandes criadores, com um pessoal de muita experiência na criação. São produtores de genética provados, grandes vendedores de touros, grandes, médios e pequenos proprietários. Fizemos uma chapa que contempla todas as regiões do Estado. Temos criadores importantes, como Laucídio Coelho, Cícero de Souza, Sérgio Dias Campos (Jacaré), entre muitas outras pessoas que vão representar muito bem a classe produtora de nelore em Mato Grosso do Sul. Também queremos retomar nosso protagonismo e, até o ano que vem, organizar novamente a nossa feira, a Expoinel.