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Criadores investem em carne de caça e faz sucesso entre chefs renomados

6 AGO 2012 • POR GR • 03h24
A carne de capivara está entre as mais vendidas pela Cerrado - Valdemir Cunha

Ele bem que pensou em desistir algumas vezes. Afinal, desbravar um mercado ainda pouco explorado no país não parecia tarefa das mais fáceis. A insistência de Gonzalo Barquero, no entanto, vem surpreendendo chefs de cozinha, consumidores e grandes companhias, que agora buscam se aliar à Cerrado Carnes de Caça, negócio fundado pelo empreendedor para comercializar a carne de animais silvestres.

Interessado em produção animal, ele foi estudar o tema na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, em 2001. “Saí de lá com vontade de voltar para o Brasil e ser fazendeiro”, conta Barquero.

Filho de porto-riquenhos e também bastante ligado às questões de preservação ambiental, ele se envolveu com um projeto de conservação do veado-de-cauda-branca por lá. Até que o pai viu uma reportagem sobre a superpopulação de capivaras no Brasil e Barquero voltou.

A ideia era replicar o trabalho de controle dos animais em áreas urbanas que desempenhava na América com os bichos brasileiros. Conheceu criadores e pessoas do ramo e se apaixonou pela conservação, mas, dinheiro que é bom, nada. “Não tinha ideia do que poderia fazer ainda. Voltei para os EUA para estudar mais sobre reprodução e manejo de animais silvestres e, de volta ao Brasil, montei uma ONG voltada para a conservação das espécies.

Foi aí que aprendi muito sobre o tema.” Conversando com os pais do amigo de infância Roberto Salles Machado, hoje sócio e diretor comercial da Cerrado, a empresa tomou forma e eles iniciaram os contatos com os criadores de paca, cutia, cateto, queixada, capivara e javali. “Percebemos que esses produtos faltavam no mercado. Teríamos um concorrente direto apenas. Era só investir e insistir que teríamos retorno”, diz Barquero. A barreira a vencer era o preconceito de que carne de caça é ruim. “Se a criação e o preparo forem bem-feitos, não há dúvidas de que são muito nobres.”

Para legitimar o valor das carnes, ele procurou chefs de cozinha para vender diretamente aos restaurantes. Segundo o empresário, no início, os cozinheiros, cansados de experiências malsucedidas, faziam uma série de perguntas, como, por exemplo, se ele poderia garantir o fornecimento. Com as questões na cabeça, buscou parceiros que estivessem de acordo com as normas ambientais e pudessem produzir do jeito que ele e o sócio queriam. “Nós levamos as carnes para os chefs experimentarem e eles diziam o que poderia ser melhorado.

Se a carne estava um pouco mais rígida ou intensa em excesso, então mudávamos a alimentação – composta de capim, milho e, em alguns casos, frutas e tubérculos – e o tempo de abate. O sabor da carne está quase 100% ligado à alimentação.” Hoje, a Cerrado está nos principais restaurantes do Rio de Janeiro e de São Paulo, além do Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Brasília. A chef Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, comemora a chegada das carnes de animais silvestres no mercado. “É um ingrediente versátil, muito saboroso e delicado.

Fiz o cateto e o prato teve uma aceitação muito boa. Antes, não havia encontrado um fornecedor que me entregasse em escala de restaurante. Agora, consigo fazer outras opções especiais durante o ano”, explica. O famoso açougue Porco Feliz, instalado no Mercado Municipal de São Paulo, vende os produtos a preços de causar inveja a qualquer bovino.

O proprietário José Gaspar conta que chega a comercializar até 1,5 tonelada por mês e o quilo desses animais fica entre R$ 52 (javali) e R$ 270 (paca). Desde o início da Cerrado até o momento, o negócio soma R$ 1 milhão em investimentos e a produção total é de 2 toneladas por mês de carnes, com expectativa de crescimento de 5 toneladas em três anos. O crescimento entre 2011 e 2012 é de 150% e parceiros como a Empreendimentos Agropecuários e Obras (EAO), do Grupo Odebrecht, estão buscando a empresa. A EAO investe na criação de pacas, o animal mais nobre do portfolio de Barquero, e procurou o empresário para entrar no mercado. “Fui até lá ver como os animais eram criados, fizemos algumas adaptações e testes e agora fechamos negócio.

A paca é difícil de criar, porque a gestação é longa e a engorda do filhote também.” Com o negócio, a Cerrado triplicou o volume que comercializa. “Com eles, eu tenho 500 matrizes, antes tinha apenas 200 com meus produtores”, comenta Barquero, que trabalha com 40 fornecedores. Embora a paca seja o animal mais caro, as carnes mais vendidas são a de javali e a de capivara.

Criá-las também não é simples, mas começa a valer a pena. Carlos Eduardo Ciciliato é produtor desde 1998 na propriedade em Indaiatuba (SP), onde cria capivaras e catetos. “A manutenção dos recintos, a alimentação dos animais e a medicação encarecem a produção, mas a demanda está chegando”, diz Ciciliato, que também é conservacionista e tem outros animais no lugar. Ele promove uma criação sustentável, adaptando os recintos para diminuir o estresse dos animais, além de reflorestar a área, para melhorar o ambiente. A caça é proibida desde 1967.

A concessão de licença para produção é fornecida pelos estados desde a Lei Complementar 140/2011. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), quando os processos estavam com o órgão, demoravam entre seis meses e um ano para a aprovação.

Ciciliato, no entanto, fala que aguarda autorização para a criação de catetos há três anos. “Essa é uma das dificuldades, mas acredito que, com a demanda, isso vai melhorar. Nós gostamos de preservação e o criadouro aponta para uma nova direção. Será possível sustentar a conservação das espécies com a criação e venda dos animais silvestres”, comemora.