Falta mão de obra para operar nova geração de máquinas agrícolas
Um dos fatores que teriam determinado o aumento da mecanização no campo brasileiro, especialmente a partir da década de 1950, foi a diminuição da mão de obra disponível no campo. A lógica deste argumento é que os anos de intensa industrialização urbana, ao mesmo tempo em que havia uma falta de perspectivas de emprego e renda rural, teria gerado uma migração crescente da população do interior na busca pelos empregos das fábricas.
Hoje, no entanto, muitos operários de indústrias urbanas talvez invejem as condições de trabalho e possibilidades de ascensão profissional no campo, quando o assunto é operar máquinas. Isso por que o nível de profissionalização, e os salários dos operadores, antes chamados de tratoristas, são muito diferentes do que há algumas décadas atrás.
Não por acaso os programas de treinamento de entidades como a União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica), ou do governo de Mato Grosso, assim como os centros de treinamento das próprias indústrias não dão conta da demanda.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) do estado, que atua em 141 municípios, em parceria com 87 sindicatos patronais, oferece cursos com duração de 40 horas, com aulas teóricas e práticas. “Somente em 2011 serão treinados 2,2 mil pessoas. Entretanto, muita gente não consegue vaga nas salas. A demanda está reprimida por falta de professores”, admite o gerente de projetos da entidade, Rodrigo Fischdick.
No caso da Unica, o programa Renovação conta com a participação da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp) e das empresas Syngenta, John Deere e Case IH, e o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O curso requalifica 7 mil trabalhadores por ano e, de acordo com Maria Luiz Barbosa, coordenadora de Responsabilidade Social Corporativa da entidade, “o profissional para trabalhar com as máquinas está em falta”. Um dado confirmado por Marluce Andrade Gomes, gerente executiva do sindicato rural de Jaciara (MT). “Todos os que concluem um programa de treinamento conseguem emprego imediatamente”, explica.
Com o aumento nas vendas de máquinas, cada vez mais potentes e com melhor eletrônica embarcada, além de equipadas com instrumentos como GPS, a qualificação se tornou essencial para a própria eficiência na operação das máquinas. Não basta saber ler e escrever. É preciso saber “ler” a máquina.
De acordo com o vice presidente de Engenharia para a América do Sul da AGCO, controladora das marcas Massey Ferguson e Valtra, Luiz Ghiggi, hoje “o operador de uma colheitadeira moderna não pode ter o mesmo perfil do trabalhador de antes, já que terá que conviver todos os dias com sistemas automatizados, o que não significa que não haja lugar para os atuais trabalhadores rurais na fazenda do futuro. O que recomendamos é treinar essas pessoas, que têm conhecimento da lavoura”, diz.
Ele ressalta que a experiência mostra que a melhor fórmula é ensinar as pessoas com conhecimento do campo a operar os novos sistemas. Os resultados do projeto Aquarius – parceria da Universidade Federal de Santa Maria, RS, com a Massey e outras empresas para o desenvolvimento de um ciclo completo de agricultura de precisão – são uma prova disso. “Não adianta pôr um universitário no comando da máquina. As fazendas em que se aproveita a experiência de quem conhece a lavoura são as mais bem sucedidas”, explica. Segundo o executivo, este processo está provocando uma mudança estrutural na organização das fazendas. “Cada vez mais os pais estão trazendo os filhos e a família para as palestras, para manter todos dentro do negócio".
Desafio sustentável
Historicamente, o primeiro desafio que se impôs ao setor de máquinas foi o aumento da potência. “Somente duas décadas atrás, os tratores ainda tinham em média 100 cavalos e as colheitadeiras, 170. Eram equipamentos pequenos em comparação com os atuais. Eles ficaram maiores e mais potentes, e a principal razão é que, nesse período, o Brasil desbravou novas fronteiras agrícolas na região Centro-Oeste e no Cerrado, onde predominam propriedades muito maiores que as do Sul e Sudeste e que, portanto, exigem máquinas maiores”, explica Luiz Ghiggi.
Um desafio que continua tirando o sono dos pesquisadores e engenheiros da indústria, já que agora não só é necessário que a potência seja a máxima e mais eficiente possível, mas é necessário também que o consumo de combustíveis seja menor e, de preferência, menos poluente, com uso de biodiesel, etanol e até nitrogênio.
A New Holland desenvolveu um trator movido a hidrogênio, o NH2, um protótipo que já rendeu à montadora prêmios de design no exterior e não deve tardar em se tornar um modelo comercial, apesar do aspecto futurista. “O motor a hidrogênio vai ser uma realidade mais rapidamente para as máquinas agrícolas que para os carros”, prevê o coordenador de vendas de agricultura de precisão da New Holland, Jorge Strina.
Ele explica que na máquina não há a limitação de espaço que há em um carro, que teria que ser munido de um tanque no porta malas, parecido com o de gás natural. Além disso, a autonomia não é um problema tão crítico em um trator quanto em um carro – o volume de abastecimento diário pode ser calculado e armazenado na própria fazenda, até por que a matéria prima é abundante (palha, dejetos animais) e pode ser facilmente manuseada. Projetos como este têm como foco o conceito de sustentabilidade, assim como reduzir a necessidade dependência de combustíveis fósseis, como o óleo diesel, que tendem a subir de preços a médio e longo prazos. “É uma evolução natural, dentro de uma história de desenvolvimento contínuo da indústria”, enfatiza Milton Rego, da Anfavea.
Da mesma forma que houve a preocupação com o uso de pneus flutuantes para menor compactação do solo com o uso intensivo das máquinas agrícolas, assim como a adaptação das máquinas para o plantio direto até os recentes avanços no uso de combustíveis não fósseis, itens ligados à conservação ambiental, as melhorias nas condições de trabalho com as cabines fechadas e com ar condicionado, e os programas de treinamento e recolocação de mão de obra vêm sendo pensados em termos da produtividade a longo prazo.
Especialistas acreditam que seria um contrassenso ter máquinas com uma robótica tão avançada, como plantadeiras monitoradas por GPS, que podem armazenar a “rota” percorrida ao abrir as linhas da lavoura em um cartão de memória, para que mais tarde esta informação seja usada para guiar tratores e colheitadeiras em outras etapas do cultivo, e não ter operadores qualificados e bem pagos, trabalhando em condições favoráveis. Werner Santos, diretor de vendas da John Deere, exemplifica a tendência explicando que o sistema AMS (Agricultural Management Solutions, ou Soluções de Manejo Agrícola, como é chamado o pacote de engenharia de precisão da marca) oferece ao produtor os dados georreferenciados para toda a safra. Isso significa, por exemplo, o uso do volume exato de sementes no plantio, assim como em outras funções a racionalização máxima da aplicação de defensivos e fertilizantes, dependendo das análises de solo e monitoramento da plantação através do GPS. Mas o resultado efetivo depende da interpretação, e principalmente, da execução das instruções e recomendações, feita pelo homem.